Testemunhos na primeira pessoa
Entrevista conduzida por Sérgio Carvalho a Nicolas
Ghobar (cristão palestianiano de Belém)
Ser cristão é ser-se um herói. É como ser
uma ovelha cercada por lobos mas, temos fé em Deus e com a esperança que nos
vamos manter vivos.
O
Papa Francisco inaugurou a 8 de dezembro, o Ano de São José (2020-2021),
publicando uma carta apostólica Patris Corde. Na proximidade de mais uma
solenidade dedicada ao Pai adotivo de Jesus, 1.º de maio, dia de São José
Operário, fomos entrevistar um cristão palestiano, natural, residente e
trabalhador, na mesma terra de São José, Belém, na Palestina.
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Nicolas Ghobar em Jerusalém |
Nicolas, o que
significa ter nascido e viver na mesma
terra em que nasceu José, esposo de maria e pai
adotivo de Jesus?
Nicolas Ghobar (NG)
– Na verdade, é um privilégio e orgulho ter nascido na terra que viu nascer
Profetas, Santos, Apóstolos e o nosso Salvador, Jesus Cristo. Aqui nasceram as
três religiões monoteístas e, graças a Deus, ainda se conservam muitos lugares
sagrados daqueles tempos.
Quantos são os
cristãos em Belém, e qual a sua percentagem em relação à restante população?
NG – Os
cristãos são quase 23% dos 45.000 habitantes de Belém. A Palestina tem uma
população de aproximadamente 4,5 milhões de pessoas e nós, os cristãos, todos
juntos, não chegámos a 1,6%. Se falarmos da população de toda a Terra Santa, ou
seja, Israel e Palestina são cerca de 14 milhões. Contudo, os cristãos são
apenas 2%, incluindo as populações de Nazaré e de Jerusalém.
Em que
atividades se ocupam os cristãos de Belém?
NG – Belém
sempre foi uma terra de cultivo (agricultura) e de pastores. Com a vinda dos
franciscanos para a Terra Santa, no século XIII, eles ensinaram o povo de Belém
a fazer artesanato religioso de madre pérola e de madeira de oliveira. Mas, com
as invasões, as guerras e os conflitos, juntamente com a diminuição da presença
de cristãos, hoje em dia contam-se pelos dedos aqueles que ainda se dedicam ao
artesanato.
Como é ser
cristão, na Terra Santa, e em especial em Belém?
NG – Nestes
dias, ser cristão é ser-se um herói. É como ser uma ovelha cercada por lobos
mas, temos fé em Deus e com a esperança que nos vamos manter vivos. No fim do
túnel há sempre luz.
Sabemos que o
Nicolas é guia intérprete dos grupos de peregrinos? Como têm sido estes dias da
pandemia que pararam os fluxos de peregrinos para Terra Santa?
NG – A
verdade é que está a ser muito difícil. O «petróleo» de Belém são os
peregrinos. Eram os peregrinos que nos mantinham vivos e preservavam os lugares
santos vivos. Mas, desde o início da pandemia, em março de 2020 fomos
abandonados, como um camelo no deserto. Agora, cada um tem que se desenrascar
para ter o pão de cada dia. Espero que isto termine rápido, porque sem os
peregrinos só Deus sabe o que acontecerá connosco. Os lugares santos serão
pedras mortas, museus ou outra coisa qualquer.
A comunidade
cristã na Palestina está bem inserida na vida pública e política? Qual a
relação das autoridades com a comunidade cristã?
NG – Não
devo responder a esta pergunta.
Que futuro vê
para as comunidades cristãs na Terra Santa? Qual o seu ponto de vista
sobre a geopolítica na Terra Santa (conflito Israelo-árabe, independência da
Palestina, etc…)
NG – Não
posso falar muito mas, para que me compreendam, imaginem três famílias a viver
na mesma casa e ninguém se entendem. Cada uma quer expulsar as outras da casa e
nós, os cristãos é como estar entre dois incêndios.
Além do
turismo, muitos cristãos e suas famílias vivem do artesanato, esculpindo a
madeira, criando imagens, presépios, terços, ícones? Como é trabalhar a madeira
como o carpinteiro São José?
NG – Primeiramente,
a oliveira é uma árvore abençoada por Deus, vemos isso desde o monte das
Oliveiras até à pomba que traz um galho de oliveira até Noé, mostrando que há terra
e esperança. Ao fazer este artesanato, sentimo-nos ligados a Jesus e à sua
vida. Para os peregrinos estas peças tornam-se relíquias da Terra de Jesus.
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Gruta de São José |
NG – De
uma maneira geral, o nível económico é péssimo. Acerca de ajudas, tenho a dizer
que eu e muitos que eu conheço nunca recebemos nada de ninguém, nem antes nem
após a pandemia.
Em Belém,
existe alguma igreja ou capela que seja dedicada a São José?
NG – Sim.
Temos a igreja de São José que era uma casa, onde, segundo a Tradição, depois
do nascimento de Jesus, ficaram algum tempo. Após esses dias, foram para o
Egito. Temos, também, a gruta de São José, onde o anjo lhe anunciou, em sonhos,
que o rei Herodes queria matar Jesus.
Que mensagem o Nicolas quer deixar aos nossos leitores?
NG – Antes
de tudo desejo que todos tenham dias abençoados. Que Deus vos abençoe e que
assim que termine a pandemia, venham à Terra Santa, porque esta Terra é para
todos.
Nicolas Ghobar tem
37 anos. Nasceu em 1983, é solteiro, vive com seus pais na cidade de Belém , na
Palestina.
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