Ano
Jacobeu
Entrevista
a Dom José Fernández Lago, deão do Cabido da Catedral de Santiago de Compostela
Dom José Lago com o Papa Bento XVI
O
peregrino português reflete humildade, tornando-se exemplo para nós.
Em dezembro de 2020,
abriu-se a Porta Santa da Catedral de Santiago de Compostela, inaugurando o Ano
Jacobeu de 2021. Sempre que a festa do Apóstolo Santiago (25 de julho) coincide
com o domingo, a Igreja proclama-o como Ano Santo Jacobeu. O último foi em
2010.
Fomos entrevistar Dom
José Fernández Lago, sacerdote desde
1967. Nomeado Cónego Leitoral em 1979 (5 de
janeiro), e Deão do Cabido desde fevereiro deste ano.
Sérgio Carvalho (SC) – Agradecemos a Dom José a amabilidade
de nos conceder esta entrevista que será publicada em Portugal. Conhece
Portugal e a Igreja em Portugal?
Dom José Fernández Lago (JFL) – Conheço pouco mais que o
norte de Portugal (Porto, Braga, Nossa Senhora do Sameiro…). Passei um dia a
visitar Lisboa, donde parti, à noite, para Jerusalém, quando fui estudar para
lá. Também conheço Fátima, onde estive por três vezes, tentando viver a espiritualidade
que ali se respira. Ainda conheço Santo António dos Portugueses, em Roma, e
Mons. Agostinho, seu pároco. O contacto com o Pontifício Colégio Português e
alguns dos seus residentes, levou-me a estar muito perto dos portugueses que
passavam pela Cidade Eterna. Aqui, em Santiago, ao contemplar os que vêm em
peregrinação, fazem-me apreciar a sua fé profunda, muitos dos quais,
certamente, pessoas humildes.
A Igreja em Portugal conheço-a através da relação que
tive e tenho com algumas pessoas que estudaram comigo em Roma (D. António Bessa
Taipa – bispo auxiliar do Porto; Mons. Arnaldo de Pinho – cónego da Sé do
Porto; e o que era, nos anos 70, Reitor do Colégio Português de Roma, que
ultimamente era bispo de Vila Real, D. Amândio; também o jesuíta Pedro Romano
Rocha (R.I.P.); P. Armando Ribeiro, de Lamego, que traduziu para português um
livrinho meu sobre o Apóstolo Santiago, bem como a sua novena.
SC – A
Galiza e Portugal estão intimamente ligados, desde a História, passando pela
língua, religião e devoção a Santiago. Como vê esta ligação umbilical, quase de
irmãos gémeos?
JFL – Sinto-me tão ligado
a vós que, quando contacto convosco, começo a falar em galego… pois a língua
que nós e vós falais é muito semelhante. A sua maior diferença é na escrita.
Sofri muito nestes últimos tempos, quando fecharam as fronteiras. Santiago une
muito; e também os Santos Frutuoso, Silvestre, Cucufate e Victor, estes dois últimos
o arcebispo Xelmírez trouxe os seus restos mortais para Compostela e que em
parte foram devolvidos a D. Maurílio, ao Arcebispo de Braga.
Estou muito próximo dos irmãos de Portugal e, sempre que
há um grupo português entre os de outras nações, faço sempre uma grande parte
da homilia em galego, pela semelhança entre as duas línguas que tiveram a mesma
origem.
SC – Estamos a viver um Ano Jacobeu. Como se tem vivido este ano santo,
em tempos de pandemia e com as fronteiras fechadas? Quando as fronteiras
reabrirem como será?
JFL – Com as fronteiras fechadas vivemos de esperança. A nossa sociedade
ocidental, tão autossuficiente, precisava de algo que lhes fizesse baixar a
cabeça para depois a levantar e olhar de frente para o céu. Mesmo quando as
fronteiras abrirem ainda teremos de aguardar algum tempo para que abram também
os albergues. Que sejamos pessoas renovadas por tudo o que tivemos de passar
com o covid19; que procuremos viver a fé com alguma profundidade, mais que
aquela que demonstravam noutros tempos. Por aqui já se diz: o peregrino
português reflete humildade, tornando-se exemplo para nós.
SC – O
que a Igreja compostelana tem preparado para que se viva intensamente este Ano
Jacobeu e o acolhimento aos peregrinos portugueses, em particular?
JFL – Tenho
necessidade de vos pedir desculpa. E isto vai levar-me a acolher todos os que
cheguem de coração aberto. Na Catedral, nos últimos anos, fazíamos umas
vigílias com uma hora de duração, nas quais os peregrinos tinham a
possibilidade de falar e dar testemunho da sua experiência. Por vezes, alguns
portugueses diziam-nos que não se sabiam confessar, querendo isto dizer que não
percebiam a língua. Eu dizia-lhes sempre, «se eu falar assim (galego) já me
entende?».
Penso que a confissão na Catedral, onde se conservam as relíquias do
Apóstolo Santiago renovam sempre aqueles que chegam e ainda mais àqueles que se
sentam para se confessarem.
JFL
– A
percentagem de peregrinos portugueses acolhidos pela Catedral em 2020 foi, no
total de 5,49% de todos os peregrinos que ali chegam, ou seja, cerca de 2.971
pessoas. No que se refere ao ano de 2019 foram acolhidos 17.450 peregrinos,
5,96% do total de peregrinos. A grande diferença no número prendeu-se com a
pandemia.
SC – O Caminho Português (ou Caminhos
portugueses: central, costa, geira) têm sido muito percorridos? Estão bem
implantados e com infraestruturas?
JFL – No que
se refere aos Caminhos portugueses, os dados recolhidos na Oficia de
Acolhimento Cristão demonstram os dados do Caminho Central e mais ainda os do
Caminho da Costa. Referentemente ao Caminho da Geira, por ser ainda recente e
minoritário em números, incluímo-lo na categoria de «outros caminhos».
No ano de 2019, chegaram pelo Caminho Português Central (Braga), 72.351
peregrinos, representando 20,38% dos peregrinos. Pelo Caminho da Costa (Litoral
Norte): 22.291 peregrinos, cerca de 6,41%.
Em 2020, pelo Caminho Central chegaram 10.253 peregrinos (18,94%) e pelo
Caminho da Costa 2.736 (5,05%).
Vê-se bem a descida provocada pela Covid19 pelo decréscimo acentuado do
número de peregrinos.
SC – Os
Caminhos estão bem implantados e com infraestruturas?
JFL - Relativamente a infraestruturas, em geral, o
Caminho está muito limitado em serviços que se podem oferecer devido à
pandemia. Há albergues privados e públicos fechados. Muito poucos estão
abertos.
O Caminho Português
Central tem todos os serviços ou infraestruturas, pelo menos no troço entre a
cidade do Porto e Santiago, especialmente na parte espanhola.
O Caminho da Costa
ainda tem algumas limitações, no sentido que há menos albergues, pois tem menos
gente a percorrê-lo. Existem problemas em se encontrar alojamento ou para tomar
refeições em cada etapa.
O Caminho da Geira e
dos Arrieiros, ainda que tenham feito um grande esforço para o assinalar e
marcar atempadamente, assim como para o promover, não tem ainda
estabelecimentos dirigidos em exclusivo aos peregrinos. De qualquer forma, as
etapas que propõe estão pensadas de maneira a que cada jornada termine num
lugar, aldeia ou vila, com pensões e outro tipo de alojamentos, mesmo que não
sejam ainda especificamente para peregrinos, mas que podem ser muito úteis para
eles.
SC – A Igreja anunciou que o Ano Santo será prolongado até 2022? Será
tudo como em 2021 ou como estava preparado, antes da pandemia? Não se perderá a
mística do ano santo?
JFL – Nós
agora queremos insistir na espiritualidade, pois, na verdade, o Caminho é um
Caminho de espiritualidade, mesmo para aqueles que saem de casa como turistas.
Estamos conscientes de que a pessoa humana precisa de algo mais do que o mundo
lhe tenta dar. Por isso, queremos oferecer diferentes possibilidades para que o
peregrino se converta num membro útil e importante para a sociedade.
Acredito que uma vida cristã bem vivida, não se deve separar das
pessoas, mas que ajudar-nos-á, a nós cristãos, a que sejamos fermente na nossa
sociedade.
SC – Preside ao Cabido da Catedral desde fevereiro de 2021. Quais os
seus grandes objetivos e os objetivos do Cabido da Igreja de Compostela?
JFL – O Cabido
de Santiago conseguiu ajudas de tipo material para que o aspeto da Catedral
resplandeça de beleza. Por seu lado, como dizia o senhor arcebispo quando se
apresentou o templo remodelado: «agora compete-nos oferecer os melhores
sentimentos da nossa interioridade, para ajudar as pessoas a viver com
profundidade a sua fé». Eu, ainda que seja o Deão, desde o mês de fevereiro,
sou Cónego Teólogo há 42 anos, completados em janeiro. Desde aquele momento eu
sempre considerei que tinha de transmitir a mensagem, descomplicando os textos
bíblicos, de forma a que cheguem aos destinatários com clareza e simplicidade.
A transmissão dos conteúdos evangélicos é para mim primordial. Estou convencido
que, além da preparação das homilias – algo fundamental na minha vida – nós
oferecemos outros atos litúrgicos e muitos atos devocionais para auxiliar os
peregrinos. Recordo-me que, há onze anos (no último Ano Santo), presidi a mais
de 200 celebrações sacramentais da Penitência. Também temos as vigílias, que
referi há pouco, que unem os peregrinos de diversas línguas e que os conforta e
estimula, enchendo-os de esperança. Não faltariam, em circunstâncias normais, a
oração do Rosário, a exposição do Santíssimo e mesmo a oração de Vésperas para
quem quisesse participar.
SC – Que
mensagem deixa aos peregrinos portugueses?
JFL – Não deixeis de vir quando puderdes.
Lembrai-vos que a meta da peregrinação é a Catedral que guarda os restos
mortais de Santigo, o filho de Zebedeu. Quando ficardes nos albergues do
Caminho, partilhai as vossas experiências: não deixeis de vos abrir com os
companheiros do Caminho, pois todos precisamos de aprender uns com os outros e
viver com profundidade aquilo que eles também vivem. Pensai que, ao chegar
aqui, encontrareis irmãos que falam uma língua semelhante e vivem a sua fé como
um caminho até Deus, mesmo se esse Deus comunica connosco enquanto caminhamos.
Estai sempre à escuta.
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José
Fernández Lago, nasceu em Carril – Vilagarcía de Arousa
(Pontevedra). É Cónego Leitoral e na atualidade o Deão da Catedral de Santiago
de Compostela, assim como capelão do Mosteiro de Monjas Beneditinas de S.
Pelayo de Antealtares de Santiago. Licenciado em Sagrada Escritura pelo
Pontifício Instituto Bíblico de Roma e Doutor em Teologia pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma, é também «Aluno Titular na Escola Bíblica e
Arqueológica Francesa, de Jerusalém». Foi Vice-Reitor do Seminário Maior de
Santiago de Compostela e Delegado Episcopal para a Formação do Clero. Durante
cinco anos, antes da sua jubilação, foi Professor Titular de Novo Testamento e
Diretor do Instituto Teológico Compostelano. Tradutor de uma parte importante
da Bíblia em galego, foi também coordenador e revisor, para sucessivas edições.
É membro ativo da Associação Bíblica Espanhola e da Associação Bíblica Católica
dos Estados Unidos da América, assim como membro nato da Associação Jacobeia.
Pertence, desde a fundação há 25 anos, à Associação Cultural Iubilantes, de
Como (Itália).
Das suas numerosas publicações, podemos citar «La
montaña en las homilías de Orígenes (tesis doctoral), El Espíritu Santo en el
mundo de la Biblia, Jesús cuenta su vida, Ésta es mi Iglesia, Las Mujeres del
Evangelio, Semana Santa, Pascua y su Octava: el camino de la vida; Jesús de
Nazaret y su Iglesia, y Eucaristía.
Publicou, também, bastantes novenas em linguagem
atual, entre as quais se encontram a do Apóstolo Santiago (traduzida do espanhol
para cinco línguas, entre elas o português), e as da Virgen del Carmen, Virgen
de los Dolores, Virgen de Fátima, Virgen del Perpetuo Socorro, San Pedro de
Mezonzo, San Nicolás de Bari, Santa Rita, San Martín, San Roque y San Benito.
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