Sicómoro - II

Ministério da solidão ou Ministério da Pessoa

Estamos a viver os últimos dias do «deserto» quaresmal. Um tempo propício para a introspeção, a oração, o silêncio e a penitência. Temos o olhar colocado na cruz vitoriosa de Jesus Cristo, mas não há ressurreição sem morte. Como diz o poeta «há que morrer para nascer de novo…».

No Cristianismo, a vida é o valor supremo, e a família e a comunidade cristã são o viveiro onde nos desenvolvemos, crescemos e adquirimos um valor acrescentado: transmitimos a vida, geramos e adotamos.

A partir deste preâmbulo, subimos ao sicómoro e vamos ver mais longe; vamos até ao império do Sol Nascente, o Japão.

Há alguns dias foi notícia que o governo do Japão passou a incluir o Ministério da Solidão, tendo como objetivo combater as elevadas taxas de suicídio (mais de 20.000 pessoas, no ano passado), naquele país asiático. A maioria dos suicídios parece verificar-se pelo esvaziamento das relações sociais, pela perda de razões para viver e continuar, neste mundo, apesar de um excelente ratio económico.

O problema que atinge há algumas décadas a sociedade nipónica, pode tardar, mas vai chegar até nós, se é que ainda não chegou…(um dos argumentos dos promotores da lei da eutanásia é esse mesmo – uma pessoa não quer viver, ninguém a pode obrigar).

Temos milhares de idosos isolados, sós, a viver em solidão, não porque assim o querem, mas porque o êxodo rural e a emigração levaram as pessoas para longe; porque a pandemia fez com que o isolamento profilático fosse necessário, ou porque os ritmos da vida hodierna a isso levaram. Temos adolescentes a quem foi tirada a sua vivência social e estão destroçados, deprimidos. Temos crianças que têm de reaprender a brincar.

A solidão quando é voluntária e com objetivo é muito benéfica, leva-nos a entrar em nós próprios e a conhecer o nosso ego, mas quando é imposta é atroz e violenta, destruindo o nosso interior.

Que bom seria que o governo português pensasse menos em números e mais nas pessoas, criando, não um ministério da solidão, mas um verdadeiro ministério (serviço) à Pessoa Humana, na sua vertente pessoal, social, económica, etc. Exijamos um ministério da Pessoa, que coloque o ser humano no centro da agenda pública e política. Esforcemo-nos pelo verdadeiro Personalismo e Humanismo Cristão.

Não podemos correr atrás do prejuízo. Há que travar o inverno demográfico, com verdadeiras medias de apoio à família, à segurança no emprego, a salários dignos e condizentes com a dignidade da Pessoa. Há que promover atividades e ocupações do tempo livre e ao ar livre. Esta pandemia irá passar, e quando passar não vai voltar tudo a ser como era. Teremos de reaprender muita coisa e criar coisas novas.

Aqui, as comunidades cristãs e as suas associações, bem como as associações da sociedade civil, têm um imenso campo de ação. Quando a pandemia terminar e a vida, bem como as relações sociais retornarem, há que fazer muito por aqueles que viveram este isolamento forçado e necessário. Há que curar os corações dilacerados, atar os laços rompidos, reconstruir a vida social, sem solidões, a menos que seja o nosso retiro quaresmal ou os nossos exercícios de espiritualidade.

Sérgio Carvalho (CP 7993 A)



 

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