Novos Tempos
O poder das palavras
No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus. No princípio Ele estava em
Deus. Por Ele é que tudo começou a
existir; e sem Ele nada veio à existência.
(São João 1, 1-3)
Por
estes dias, a propósito do Dia Mundial da Voz, 16 de abril, dei por mim a
refletir sobre a importância da linguagem e da comunicação.
Todos os
seres vivos comunicam uns com os outros, através de sons, gestos e cheiros, mas
apenas os seres humanos possuem uma linguagem abstrata que manifesta as suas
ideias e sentimentos, através de fonemas e expressões que por sua vez criam em
quem os escuta e lê, novas ideias e possibilita a apreensão dos sentimentos e
vivências de outros seres humanos.
Ao
pensar sobre este assunto, deparei-me com uma iniciativa, numa praça do Porto:
a reabertura de uma biblioteca popular e conjuntamente a emissão em alta voz da
emissão de uma rádio, da leitura de livros e poemas.
Vi que
as pessoas paravam, sentavam-se nos bancos de jardim a escutar o audiolivro ou
o poema. Era aquilo que nos devolvia a humanidade. A palavra dá-nos vida e tudo
origina. A voz ecoava através das colunas e penetrava no nosso íntimo e criava
uma sensação de paz, serenidade e plenitude.
A
palavra, o verbo que é a palavra em ação e o que dá sentido a toda a frase,
ainda que subentendido, transformava quem escutava.
Nos dias
que correm, muitos são aqueles que dizem não ter tempo para ler ou até para
escutar um poema. Que saudades dos tempos em que se ensinava a arte da
declamação nas escolas e a dramatização da palavra e das palavras nas
coletividades. Que saudades dos tempos em que se recebiam as cartas escritas por
alguém com a força dos sentimentos e a beleza da caligrafia. Que saudades de
escutar a beleza da Palavra de Deus, num sermão ou pregação, com domínio pelas
artes da oratória e da retórica. Que saudades dos fogos de conselho nos
acampamentos e atividades ao ar livre dos escuteiros e grupos de jovens.
Quando
tudo isto passar e pudermos voltar a socializar temos de reencontrar a força
regeneradora da palavra, pois foi ela quem tudo fez e tudo criou. Temos que nos
desintoxicar de imagens e barulhos, de aparelhos que nos impedem de escutar as
palavras dos outros. Pois, se os seres humanos perderem a força das palavras
que nos moldaram ao longo dos milénios, pelas histórias e narrativas passadas
de geração em geração, pelos contos ao pé da lareira, pelos palcos de teatro,
pelas ondas da rádio e pelas páginas dos livros, certamente perderemos a nossa
humanidade e poderemos cair numa anestesia social, num retrocesso
civilizacional, numa marcha sem retorno.
Há que voltar
a dar voz à palavra e às palavras, se queremos ser gente com voz e vez nesta
sociedade.
Sérgio
Carvalho
https://sergiocarvalho-escritos.blogspot.com
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