Novos Tempos
As palavras da calçada
39Alguns fariseus disseram-lhe, do meio da
multidão: «Mestre, repreende os teus discípulos.»
40Jesus retorquiu: «Digo-vos que, se
eles se calarem, gritarão as pedras.»
São Lucas 19, 39-40
Aproveitando estes dias primaveris que nos têm sido
oferecidos, fui fazer a minha caminhada habitual, pensando também em realizar a
minha recoleção quaresmal. Os meus propósitos eram: fazer uma caminhada longa,
em silêncio, e aproveitar para realizar o meu exame de consciência.
Percorri várias ruas da baixa do Porto e da zona
oriental da cidade. Há meses que não fazia aqueles percursos… como tudo tinha
mudado; as lojas fechadas, os turistas desaparecidos, o fernezim do trânsito
abafado, apenas aqui ou ali os sons da construção civil e dos cafés e
mercearias a vender «ao postigo».
Pensava na frase da Bíblia «vaidade das vaidades, tudo
é vaidade» (Eclesiastes 1, 2), tudo
passou, tudo passa, tudo passará, se Deus quiser. E lá fui calcorreando e
pensando nas coisas da vida. Além do labor humano, via a natureza a despontar
nos jardins e as árvores da reverdecer. Após o inverno, vem a primavera; depois
da tempestade, a bonança; a seguir à morte, a vida.
Com o plano de desconfinamento e reabertura de algumas
atividades, vi alguns a limpar montras, toldos e cadeiras. Uns cabisbaixos
carregando sacos, outros fitando o horizonte, sonhando o futuro.
A certa altura, e nos meus diálogos interiores, disse:
«ó meu Deus, porque é que o Teu silêncio é tão forte? As Tuas igrejas
encerradas ou com limitação de acesso, o Teu povo disperso e sedento? Porquê?
Fala, Senhor!!!» Mas nada…
A caminhada continuou e já quase no fim, após uns
quilómetros percorridos, olho para o chão e vejo três frases escritas no
cimento do passeio: «Deus é amor»; «Eu sou Deus» e «Deus te ama».
Não sei quem escreveu ou teve a ideia de aproveitar o
cimento fresco e inscrever no passeio de uma das principais ruas do Porto
aqueles palavras. Mas para mim foram a resposta, naquele dia, pois questionava
o silêncio de Deus.
As pedras da calçada (ou o cimento), tantas vezes
calcadas pelas pessoas, falavam comigo. E falavam de Deus. Deus ama e é amor.
Ele é Deus e não há outro. Mesmo que todos se calem, as pedras da calçada
falarão a verdade: o amor de Deus não passa e Ele não esquece o Seu povo.
Sérgio Carvalho
(CP 7993 A)
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